domingo, 11 de julho de 2010

CARTA DE PRINCÍPIOS DOS ROMANTICOS CONSPIRADORES




... é preciso afirmar que há, no Brasil, muitos professores que dão sentido às suas vidas, dando sentido à vida das crianças e das escolas. Sinto-me um privilegiado por, após três décadas de trabalho numa escola que ousou provar que a utopia é realizável, encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia.” (1)

O movimento Românticos Conspiradores constitui-se de uma rede colaborativa formada por pessoas que militam pela transformação da Educação Pública (2). Nossa finalidade inicial é a de promover a comunicação e o apoio mútuo entre pessoas, organizações e projetos que tenham por objetivo contribuir para a superação dos arcaicos paradigmas educacionais vigentes.

Somos pessoas conscientes de que os modelos educacionais e as práticas educativas possuem decisivas condicionantes sócio-culturais. Este fato exige que, para a transformação da Educação, tenhamos de ultrapassar seu âmbito restrito, englobando as dimensões sociais, políticas e culturais.

Temos a convicção de que a Educação atualmente praticada não contribui para que as gerações futuras tenham condição de superar os cruciais desafios postos para e pela humanidade. Mais do que isso, essa educação acaba por incentivar a formação de pessoas que tendem a reproduzir o modo de pensar, sentir, agir e viver que produziram tais desafios. Para que os atuais paradigmas educacionais possam ser superados é necessário estabelecer novas concepções que apontem formas alternativas de pensar, estruturar e praticar a Educação.

Tendo como síntese de nossa visão o trinômio autonomia-responsabilidade-solidariedade, apresentamos nossos princípios gerais, assim como alguns exemplos de seus desdobramentos educacionais. A finalidade é tanto orientar a ação dos membros da rede Românticos Conspiradores como esclarecer àqueles que queiram participar ou formar novos núcleos. São estes princípios que, a nosso ver, devem fundamentar a vital transformação da Educação, para que esta possa corresponder às necessidades das pessoas e das sociedades contemporâneas.

1. Educar-se para a Integralidade

A educação deve contemplar a humanidade dos educadores e educandos em sua totalidade, sendo coerente com a indivisibilidade das dimensões biológica, mental e espiritual de cada pessoa. Assim como cada ser humano possui diferentes limites, possui também diversas potencialidades que poderão, ou não, ser desenvolvidas e expressas a partir das formações e transformações que ocorrem durante toda a vida. Para isso a educação deve ser um processo intencional, contínuo e transformador, que leve a integralidade e que repercuta durante toda a vida.
Desdobramentos: educação integral (3), transdisciplinaridade, currículo aberto, aprender a conhecer-fazer-conviver-ser, educação continuada.

2. Educar-se em Solidariedade

A educação é um processo relacional, possuindo um caráter social que deve ser assumido nas práticas educativas. A solidariedade, mais do que um objetivo ético a ser atingido, é uma condição primordial para a realização do trabalho educativo. Portanto, este só se desenvolverá plenamente se considerar e incluir as diversas relações entre todos os atores envolvidos: educandos, educadores, gestores, famílias e comunidades. No caso da escola, é indispensável que abra suas portas à comunidade, a fim de constituir-se em pólo integrador e irradiador do saber e do esforço social pela educação, também cabe a escola incentivar a integração dos agentes e espaços comunitários a esse mesmo esforço.
Desdobramentos: comunidade educadora, docência compartilhada, ensino-aprendizagem colaborativo, pedagogia de projetos.

3. Educar-se na Diversidade

A educação deve contemplar a originalidade e a criatividade das pessoas, valorizando a diversidade humana em todos os seus aspectos: físicos, psicológicos, culturais, etc. As práticas educativas devem ser coerentes com o fato de que as pessoas aprendem melhor segundo seus interesses e motivações, em diferentes ritmos e de diferentes formas. A noção de educação na diversidade, associada aos conceitos de integralidade e solidariedade, permite o reconhecimento tanto de nossas singularidades quanto das nossas igualdades, resultantes de nossas condições humanas e socioculturais. As diferenças, nesse contexto, devem ser consideradas como algo inerente ao ser humano, rompendo-se a lógica binária que nos fragmenta em “iguais” de um lado e “diferentes” de outro.
Desdobramentos: educação inclusiva (4), pedagogia da escuta, ensino não seriado, grupos multietários, educação para a paz, pedagogia da autonomia, educação multicultural.

4. Educar-se na Realidade

A educação deve servir para a melhora objetiva da realidade na qual ela ocorre, contribuindo para o chamado desenvolvimento local. Para tanto, ela deve ser contextualizada, integrada à vida dos educandos e de suas comunidades, aberta para a troca de experiências e conhecimentos. A educação só possibilitará à pessoa atuar efetivamente na transformação da sua realidade se proporcionar condições de autotransformação. Em outras palavras, é somente através da promoção de aprendizagens significativas que a educação contribuirá para a transformação humana e social.
Desdobramentos: contextualização, extensão comunitária, ensino ativo, aprendizagem significativa.

5. Educar-se na Democracia

A educação que prepara para a democracia deve se dar através de práticas não-autoritárias, que permitam a ampla participação de educandos, dos educadores, das famílias e da comunidade. Só é possível uma educação para a ação cidadã se a educação for pela e na ação cidadã. As práticas educativas promotoras da liberdade, autonomia, respeito, responsabilidade, eqüidade e solidariedade devem estar associadas aos princípios anteriores para permitir que atinjamos o objetivo maior da auto-responsabilização social (5).
Desdobramentos: educação democrática, não-coercitiva, educomunicação, protagonismo juvenil.

6. Educar-se com Dignidade

A dignidade específica do ofício do educador é derivada da dignidade reconhecida na pessoa do educando. O educador deve ser cônscio do seu importante papel como agente social, assumindo sua missão como tutor dos educandos e facilitador de suas aprendizagens, entendendo que a educação deve ser solidária e coletiva e a aprendizagem um processo de dupla-via – entre o educador-aprendente e educando-ensinante. O tão almejado resgate da autoridade e a revalorização social e profissional do educador passam, necessariamente, pela reformulação das formações iniciais, pela reflexão e atualização permanente das práticas educativas e, principalmente, pela constante busca da coerência entre o fazer pedagógico e as necessidades educacionais dos educandos, suas comunidades e das sociedades em geral.
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* Esta carta é produto do trabalho coletivo dos membros do núcleo RC-SP, realizado através de fórum virtual de discussões e reuniões presenciais durante os meses de agosto, setembro e outubro de 2008 e aprovada em assembléia no dia 18/10/2008. A versão desta carta com as assinaturas de adesão pode ser consultada aqui.

(1) José Pacheco, As Escolas Invisíveis, jornal Folha de São Paulo, novembro de 2005.

(2) A educação pública é por nós entendida como aquela voltada para a população em geral e que a todos dê garantias de acesso, sucesso e realização pessoal e social, seja ela de caráter estatal ou privado.

(3) A educação integral é vista aqui como aquela que considera as diversas dimensões da experiência humana: sensorial, cognitiva, emocional, moral, ética, política, cultural, estética, artística, etc.

(4) O termo educação inclusiva é aqui utilizado com ressalvas, uma vez que seu uso só faz sentido em um contexto excludente.

(5) A auto-responsabilização social refere-se à conscientização de que os contextos sociais são responsabilidade de todos e de cada um, visando que as pessoas e comunidades tenham condição de se apropriar das suas realidades e transformá-las.

Plataforma virtual da Rede Românticos Conspiradores aqui.

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